Álvaro Moreira Domingues Júnior - Gestor educacional, professor & empreendedor
A pandemia da Covid-19 impôs e acelerou o uso de inovações tecnológicas e metodológicas pelas escolas, transpondo o território do ensino e da aprendizagem para além do espaço escolar, chegando às residências dos estudantes e atingindo a intimidade dos lares.
Considerando as últimas informações sobre o retorno presencial da Educação Básica e Superior e o imenso prejuízo causado pelo fechamento das instituições educacionais por quase dois anos, constatamos que o novo cenário trouxe mudanças rápidas e inexoráveis, o que torna necessário reavaliar alguns aspectos do planejamento governamental, bem como dos projetos e das práticas pedagógicos, com o objetivo de corrigir, em prazo acelerado, a lacuna de aprendizagem deixada.
O Conselho Nacional de Educação, em nota de esclarecimento datada de 27 de janeiro de 2022, recomendou o retorno presencial às aulas e atividades educacionais, recobrando com esse ato a sua estatura e liderança no setor. Certamente, repercutirá nos Conselhos Estaduais, dos quais se espera uma postura semelhante e mais eficaz, visto sua legitimidade junto às redes pública e privada de ensino.
Outro documento veiculado e de significativa importância é The State Of The Global Education Crises – A Path To Recovery, publicado pela UNESCO/ UNICEF em janeiro de 2022, e cuja mensagem principal é “agir agora para recuperar o aprendizado”. A parte cinco, especificamente, sugere a criação de mais “sistemas educacionais resilientes”, proposta adequada à atual situação emergencial e preocupante em que se encontra a Educação Básica brasileira, agravada por quase dois anos de escolas fechadas.
Resiliência, certamente, foi a palavra de ordem do citado documento e, na prática, vivenciada por boa parte das escolas brasileiras. O sistema educacional brasileiro, ainda que incipiente e em elaboração, reagiu insatisfatoriamente, contando apenas com a criatividade e a superação de educadores e gestores, que enfrentaram todo o tipo de obstáculos: jurídicos, despreparo das autoridades, desinformação, politização de assuntos em detrimento às evidências científicas, entre outros.
Infelizmente, a orquestra da Educação brasileira desafinou. Temos, agora e mais do que nunca, que correr contra o tempo visando à qualidade e à eficácia do processo de ensino e de aprendizagem, com foco unicamente no desenvolvimento acadêmico e emocional dos estudantes, o que certamente implicará no desenvolvimento futuro do Brasil.
A organização “Todos Pela Educação”, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, realizada pelo IBGE, cita, entre outras evidências, o alto número de crianças que não foram alfabetizadas, alertando para a desigualdade social provocada por esse quadro.
Triste situação! Como recuperá-la?
Analisando por outro lado, nos parece consolidado o reconhecimento da capacidade dos professores e das escolas que se adaptaram ao contexto imposto pela pandemia, incorporando novas tecnologias educacionais somadas às novas metodologias - on-line, síncrona, assíncrona, atividades complementares, lista de exercícios, textos, jogos etc.-, mitigando as dificuldades inerentes ao ensino à distância, nas diferentes formas, para diferentes faixas etárias.
Certamente, a rede privada de ensino, por sua dimensão, descentralização, agilidade e características da clientela, logrou mais êxito do que a rede pública, agravando a disparidade entre os alunos e deixando uma lição: é possível, ainda que com menor performance dos estudantes, manter a aprendizagem à distância como ferramenta facilitadora, principalmente para etapas posteriores à alfabetização (embora o prejuízo social, emocional e psíquico com o afastamento do convívio escolar seja incalculável).
Com resiliência, mobilização, agilidade e responsabilidade na oferta do que for necessário e adequado à diversidade regional brasileira, de acordo com a realidade do chão de cada escola, sob a liderança e realização de gestores educacionais, equipes de coordenação pedagógica e professores.
Nas etapas da Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental – especificamente na alfabetização - a presença dos estudantes na escola é absolutamente indispensável, pois sabemos que se trata de um processo que envolve professores especializados, espaço pedagógico específico, recursos materiais e metodologias facilitadoras voltados para o fazer, o jogar, o descobrir e o brincar, que vão desde o papel e o lápis às mais diferentes estratégias, em ambientes internos e externos.
Entretanto, o mais valioso e insubstituível são as relações interpessoais, emocionais e afetivas desencadeadas entre os estudantes e seus professores. Por melhor que seja, uma ferramenta tecnológica jamais substituirá esse específico espaço de aprendizagem.
É de causar espanto constatar que nos dias atuais existem adultos, que tiveram oportunidade de ingressar no mundo da leitura e escrita, que defendem a privação do direito constitucional de uma criança de frequentar a escola, sem considerarem o empenho das escolas e de seus colaboradores com os cuidados em relação aos protocolos sanitários. São nesses casos que o medo e a falta de informação superam as evidências científicas.
Nos anos finais do Ensino Fundamental, bem como nos ensinos Médio e Superior, as ferramentas tecnológicas que promovem aulas à distância e as metodologias associadas à autonomia proporcionam bons resultados de aprendizagem. Isso acontece a despeito da prática estudantil de cabular as aulas, desligando a câmera de seu notebook ou celular; do desafio dos professores em envolver e motivar seus alunos nas aulas remotas - síncronas ou assíncronas - enfatizando a autorresponsabilidade na aprendizagem; e, principalmente, a velha e persistente tendência de alguns plagiarem, copiarem ou “colarem” de outros estudantes.
Para enfrentar tais desafios do comportamento humano, será tanto melhor quanto mais próximo estiver o professor e a equipe pedagógica. Volto a insistir: a tecnologia auxilia, mas não substitui o processo de ensino e de aprendizagem no espaço escolar.
Duas outras tendências, ainda que antigas, persistem no atual cenário educacional brasileiro: são as escolas integrais e/ou bilíngues, com ofertas de mais componentes curriculares, além daqueles inerentes às quatro áreas do conhecimento. Esses modelos proporcionam melhor oportunidade para recuperação do conteúdo defasado durante a pandemia, por meio do uso eficaz do tempo de permanência do aluno no espaço escolar, com planejamento e intervenção estruturados.
No caso das escolas bilíngues, nos diferentes estados brasileiros e no Distrito Federal, ocorreram regulamentações dos Conselhos de Educação com estabelecimento de parâmetros para o credenciamento. Na prática, observa-se uma oportunidade de vivenciar a segunda língua, em especial a inglesa, em toda Educação Básica, sendo muito sinérgico com esse ensino a assimilação da linguagem usada na tecnologia da informação.
Porém, na realidade, o estudante não é alfabetizado em inglês, mas passa a apresentar em seu repertório um vocabulário mais abrangente, mesmo que não adquira fluência oral e escrita, dada a ênfase em gramática. Chamo a atenção para essa realidade visto que já existem ferramentas eficazes de alfabetização em inglês.
A importância da segunda língua vai além da sofisticação do repertório de aprendizagem: atende a legislação brasileira vigente, promove a integração de fronteiras, amplia as oportunidades profissionais e visa ao avanço da educação brasileira nos sistemas de avaliações internacionais.
Olhando para o futuro, revendo as competências mais demandadas pelo mundo do trabalho e suas prováveis mudanças nos próximos anos, nada é mais importante do que o desenvolvimento das competências socioemocionais. E o mais preocupante, com as escolas fechadas, é justamente o empobrecimento da aprendizagem socioemocional, e as consequências da privação da convivência interpessoal serão nefastas.
Concluo acreditando, com otimismo, no atual momento como oportunidade de transformação. Em que pese as irreparáveis perdas de vidas, o fechamento das escolas trouxe evidências de prejuízo acadêmico, emocional, psíquico e social para crianças e jovens em todo o planeta. Existem países que saíram na frente, empenhados na recuperação da defasagem de aprendizagem, como por exemplo China, Chile, Portugal, Alemanha, dentre outros. Isso nos conclama a realizar a mudança na Educação brasileira com a agilidade necessária.
Enfim, que os gestores e demais profissionais da Educação continuem enfrentando com coragem as consequências impostas pela pandemia, assim como incansavelmente se comportaram os profissionais da Saúde. Dentro da proporcionalidade, façamos das escolas espaços os mais seguros possível, para um funcionamento presencial permanente e associando, quando necessário, às ferramentas tecnológicas e metodologias facilitadoras da aprendizagem.
Comments